segunda-feira, 27 de abril de 2009

DISCURSO DE POSSE EM FARMANGUINHOS



LEIA NA ÍNTEGRA DISCURSSO DA POSSE DE EDUARDO COSTA EM FARMANGUINHOS-JANEIRO DE 2006




Autoridades,
Companheiros,
Amigos,
Srs e sras.


Nessa ocasião, não posso deixar de agradecer ao ministro saraiva felipe, (hoje aqui ausente por compromissos maiores), por acatar a indicação da fiocruz para que agora dirijamos farmanguinhos.

Saraiva é um dos nossos; passou por nossa casa, e, em estados diferentes, mudamos a história da saúde. Nos une a vontade de realizar ações concretas para elevar a outro patamar as ainda lamentáveis condições de saúde das pessoas que nascem e vivem no brasil. Sonhamos com um sistema de saúde que atendesse a todos, particularmente aos pobres, os desempregados, os descendentes de africanos, os ameríndios...

E dessa trincheira da saúde brasileira prometemos ao ministro saraiva felipe contribuir com disciplina e firmeza para que o ministério da saúde possa propiciar uma assistência farmacêutica melhor para as pessoas mais vulneráveis e negligenciadas do país.
...
Não me perguntem por que estou aqui em farmanguinhos. Esse é um mistério inalcançável. Só a existência indiscutível de ricamor oferece desafio de tal envergadura.

Afinal, nem mesmo pela clínica esse médico que vos fala optou.
Ao contrário, quis ser sanitarista para evitar, idilicamente, que fosse necessário tomar remédio. E, confessa ter grande dificuldade de tomar qualquer medicamento.

Se estamos no campo do inexplicável, posso, no entanto, dizer adiante porque vim, e quem ontem, por capricho ou por razão, pediu que eu viesse:
- paulo buss, nosso presidente.

Divido com ele uma história recente: a aquisição dessa fábrica para farmanguinhos; um passo possível graças ao governo lula e ao congresso brasileiro.

Divido com ele a proposta de criação do cdts; em breve uma nova e especial unidade da fiocruz, destinada a mudar o processo de criação científica e tecnológica na área da saúde brasileira.

E agradeço a ele a oportunidade de participar da reconstrução da fiocruz novamente.

Agradeço a oportunidade de conhecer muita gente que aqui se entrega a repensar e refazer saúde para a população brasileira.

Agradeço também a todos que fizeram o farmanguinhos de hoje: seus ex-diretores, em particular a dra. Núbia que me antecedeu, e a todos os seus quadros.

Não posso deixar de lembrar nesse momento da aridez de onde partimos na ensp em 1970 – um exército de brancaleone, os dezoito do forte. Aqui ainda estão luiz fernando, arlindo, sérgio góes, entre mais uns três ou quatro daquela época.

Lembro das sementes de 1974, do florescimento de 1978/79, dos frutos ainda verdes de 1985, que já amadurecidos, no início desse século, exigem uma nova história, um novo replantar.

Creio que a fiocruz, hoje centenária, realiza todas as tarefas de uma instituição luminosa como é: manter, consagrar, reproduzir o acervo que as pessoas legaram para a saúde do país. E creio, mais que tudo, que cabe às pessoas por ela hoje abrigadas, duvidar, questionar, inovar, recriar, reinventar, esse belo acervo.

Vamos assumir farmanguinhos sem ilusões, mas com determinação, para questionar, para inovar, para reinventar a história da assistência farmacêutica e da fabricação pública de medicamentos do país.

Não estamos contentes com o que já fizemos. É pouco, muito pouco, em relação ao que nosso povo precisa.

Ainda que inexplicável o porquê aqui estou, essa tarefa era e é, para mim, irrecusável. Venho de uma geração que ouviu garaudy: “a responsabilidade é individual e ninguém pode se furtar a ela.”

Mas se a responsabilidade é individual, a ação é coletiva. Nomino alguns companheiros que dividem comigo o encantamento e o mistério da nova tarefa – graça, hilbert, jorge, fernando, hayne, vera, licia, glauco, leo, jamaira.

Foram o núcleo inicial de uma bela campanha em farmanguinhos, ao qual se agregaram jovens corajosos, como barbara, elaine, carmen, carlos, andré, mariana, e outros, que vão levar muito mais longe os ideais da fiocruz e a missão de farmanguinhos.

Quero aprender com os mais jovens, mas quero também trazer a visão de um brasil de grandes homens como leonel brizola e darcy ribeiro com quem convivi e aprendi a pensar a nação dos mais vulneráveis e dos despossuidos: das crianças, dos adolescentes, jovens, gestantes, puérperas, aposentados... (“as crianças estão acima da economia”, dizia um, “o brasil é um imenso incinerador de gente”, dizia o outro)

Arouca pregou na sua última aula inaugural na ensp a necessidade do delírio para mudar a saúde. Pois farmanguinhos será uma porta delirante (como tom jobim chamou o rio de janeiro, quando voltou dos estados unidos) uma porta delirante para um brasil diferente.

Não porque aqui produzimos psicotrópicos, narcóticos ou anestésicos... Não porque queiramos fugir de uma dura realidade, propondo caminhos fáceis, compondo uma ilha de fantasia, de quimeras retóricas, falsamente travestidas de modernidade ou razão.

Querem nos fazer crer que delírio é pensar a realidade nua e crua; é botar à mesa o sofrimento de dezenas de milhões de brasileiros, é mudar os impedimentos estabelecidos pela burocracia; como se delírio fosse respeitar a vida.

No brasil dos conformados todos nós da fiocruz somos delirantes porque queremos construir um espaço de justiça social. Aqui, no cotidiano de farmanguinhos, queremos nos embriagar com a idéia do dever, com o prazer da construção coletiva, com as amenidades do convívio no trabalho.

De fato, não é um delírio o que propomos, é seu avesso, arouca: produzir medicamentos em paz entre nós, em paz com as comunidades em que nos inserimos, em paz com nossos competidores e até com eventuais adversários. Mas, principalmente em paz com nossa consciência.

Não é delírio, é seu avesso, conquistar a confiança de todos, cooperar para que cumpram seus objetivos próprios e pessoais, sem deixar de realizar nossa missão institucional, apesar de tudo e sempre.

Vamos buscar bons resultados, mas, quando maus, serão divulgados honestamente, sem maquiagem.

Transparência, responsabilidade com a coisa pública perante a sociedade, só podem existir com a participação de todos os trabalhadores de farmanguinhos.

A inadequação estrutural de farmanguinhos hoje não é, de fato, uma imposição de competidores ou de inimigos, é a demonstração de nossas fraquezas e timidez.

Queremos convocar os que aqui trabalham para novos tempos: fazer tudo mais e melhor, como retribuição e dever para quem nos mantêm e de nós precisa.

Às competências técnicas e parcerias que já temos, somaremos outras para trilhar caminhos de eficiência e enfrentar novos desafios.

Ao ministério da saúde oferecemos mais do que medicamentos, oferecemos um acervo técnico, uma estabilidade administrativa e uma vontade inabalável, dirijidos a fazer cumprir os objetivos primordiais do sus.
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Os medicamentos apresentam papel relevante na redução das taxas de mortalidade e de morbidade de qualquer população, vos diz um epidemiologista.

Mas são tão mais efetivos quanto mais competentes é o controle do estado do ponto de vista regulatório e mais dinâmica é a interferência do estado para assegurar um acesso equânime aos medicamentos essenciais.

Não há acesso de qualidade, nem equidade, quando o preço e a prescrição dependem das forças do mercado e a elas não se sobrepõe um estado que limite e discipline essas forças para atingir os objetivos sanitários.

Não há acesso de qualidade, nem equidade, nem soberania, quando o mercado é dominado por um grupo de grandes transnacionais. E se desonera e remunera fartamente a aplicação financeira.

Importamos cerca de três bilhões de dólares anualmente em fármacos e medicamentos e exportamos menos de 500 milhões, como subestação.

Nesse quadro farmaguinhos precisa advogar e trabalhar com o governo por uma política industrial que valorize a criação e fixação de empresas produtivas no brasil.

Nosso desafio para tanto é também reverter o quadro de dependência tecnológica do país no que se refere a fármacos e medicamentos e assim diminuir os gastos governamentais, aumentar a capacidade de inovação e as exportações.
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Se essas são as grandes propostas não descuidaremos do particular momento em que vivemos.

Como sempre, chegamos na hora a que as mudanças em torno exigem as mudanças internas.

A fiocruz mudou radicalmente a sua conformação nos últimos quatro anos, particularmente nas políticas e instrumentos de desenvolvimento científico e tecnológico. Farmanguinhos vai assim também mudar.

O último congresso interno determinou uma revisão das estruturas das unidades para logo em abril. Farmanguiinhos vai mudar.

A compra dessa fábrica obriga a mudança efetiva da produção e desenvolviemnto para esse local. Farmanguinhos vai mudar para cá nesse ano.

Mas o maior desafio veio do conselho nacional de saúde/ e do ministério da saúde:

A descentralização das compras de medicamentos de programas para doenças crònicas, como hipertensão e diabetes, repercutirão intensamente no acesso a medicamentos dos usuários do sus, como também obrigarão farmanguinhos e os demais laboratórios públicos a mudar.

Se essa medida coloca em questão investimentos já realizados pelo próprio governo, e traz também riscos sanitários e financeiros, não podemos deixar de encarar tudo como uma grande oportunidade de crescimento e renovação.

Precisamos de um ano para nos ajustar a todas essas mudanças, como precisamos pelo menos seis meses para cumprir os compromissos do ano passado não atingidos em função do próprio início da mudança.

Mas, venceremos.
Venceremos porque estão conosco muitos outros fora de nossa governabilidade: homens e mulheres de bem espalhados pelo país, que têm o senso de responsabilidade perante os anseios dos que de nós dependem e nos inspiram: nossos filhos, nossos netos, as futuras gerações de brasileiros.
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Obrigado a todos.
Eduardo costa - gestão 2006/2009

Lido em 08/02/06. Pequenas revisões em 10/02/06.